quinta-feira, 28 de abril de 2016

Desabafo sobre o câncer


Odeio ficar falando o que eu sofri com o câncer, pois não quero que tenham pena de mim e não gosto de sentir pena de ninguém. Mas é verdade que alguma coisa muda na nossa vida após um câncer, ou dois. Hoje uma grande amiga, que considero como parte da minha família, está fazendo sua cirurgia de mastectomia. Relembrei minhas cirurgias, mas principalmente a de mastectomia. Momento muito difícil que me pegou de surpresa e eu não pude nem raciocinar. Foi melhor assim. Mas depois existe uma sensação estranha, ruim, de vazio. Não é bom ficar sem uma mama, sem mamilo, sem aréola e no lugar ficar cheia de cicatrizes. É triste. O bom é q hoje em dia podemos sair com próteses no lugar, pois há algum tempo atrás isso não era possível e eu tiro meu chapéu a todas aquelas mulheres que tiveram que passar por um momento tão difícil e sair “mutiladas” dessa, como alguém me disse um dia que era assim que eu ficaria. Se quer ajudar alguém que está passando por isso, pergunte como pode ajudar. Mas fique calado se não tiver o que dizer, fique apenas ao lado da pessoa. O câncer é agressivo, ele vem com tudo e vai levando tudo com ele, não adianta ser tão positivo e ignorar sua gravidade. Adoro a positividade, mas não é bem assim, nunca vai passar.

O câncer mostra um lado da vida que antes não enxergávamos. Só quem passa e quem convive do seu lado sabe. Os minutos são preciosos, os momentos de alegria também. Passamos a escolher a dedo o que realmente importa e quem realmente importa também. Não quero julgar o comportamento ou a reação de ninguém, mas é a mais pura verdade quando dizem que é na dificuldade que vemos quem está do nosso lado. É claro que uns tem mais recursos que outros, alguns não sabem lidar com a situação, mas as vezes esperamos mais de alguns do que de outros que estão de longe, só que mais perto.

O câncer de mama é muito mais que um laço rosa. Não é nada fácil o que vem com ele. Para quem acha que o “cabelo é o de menos”, por exemplo, está muito enganado. Porque você não fica careca antes de fazer essa pergunta idiota? O cabelo importa sim e muito. Somos mulheres e não queremos ficar carecas. É um saco o cabelo quando está crescendo, é um saco usar perucas, lenços, colocar apliques para tentar se sentir mais bonita, ficar sem cílios, sobrancelhas, pois além de não ter mama, não ter cabelo fica muito pior. Essa é a verdade. Também não queremos saber quem morreu de câncer, pois estamos tentando sobreviver e ter esperanças em quem está vivo. E o fulano que morreu, não perdeu a batalha para o câncer, ele somente morreu como todos vão morrer um dia.

Acho que acordei um pouco revoltada e triste com algumas coisas. Nós, que fomos diagnosticados um dia, não procuramos ficar doentes. Não me alimentei mal, fumei por anos, pratiquei pouca atividade física, talvez tenha guardado algumas mágoas, bebido um pouquinho além da conta, mas tenho certeza que o que trouxe os meus cânceres foram as minhas células, que por motivos naturais e conhecidos pela ciência, sofreram mutações e se reproduziram enlouquecidamente. Hoje em dia tudo pode levar ao câncer, ainda mais nesse mundo ocidental de alimentos processados e manipulados.  Não mudei a minha vida, não tenho uma vida mais saudável e não vou mudar, pois quero continuar o resto da minha vida vivendo como acho que posso ser feliz. Vivo receosa a cada exame, pois sei do risco de mais recidivas. Mas não vou deixar de viver.

Não sou corajosa, nem exemplo para ninguém, apenas vivi o que tinha para viver, passei o que tinha que passar e assim continuo. Tenho medo do que virá, mas tenho que seguir em frente, tenho momentos de tristeza e vivo refletindo esses acontecimentos. Ás vezes dá vontade de cair em depressão e falar foda-se, mas ás vezes me sinto mais fortes e pronta para qualquer guerra. O câncer muda nosso emocional, nosso físico e nossa mente.


A verdade é que minha linda amiga de infância, minha Babi, está lá agora, passando por um momento difícil que mudará sua vida para sempre, mas que pode ser um momento de renascimento, de novas descobertas, descobertas íntimas, que só ela saberá como lidar. Mas ela sabe que tem aqui alguém que vai entendê-la para o resto da vida.