terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Sobre REVISÃO DE LAUDOS ANATOMOPATOLÓGICOS

Vou tentar resumir, pois o que tenho para falar é importante. Estou vivendo uma segunda recidiva, e foi fazendo o autoexame, em um dia qualquer de junho, que senti novamente um nódulo na pele da mama direita reconstruída, próximo ao prolongamento axilar de onde apareceu o segundo tumor em 2014. Desde então meus dias tem sido em torno do mundo oncológico em que fui submetida há cerca de oito anos desde o primeiro diagnóstico. Ainda em junho fiz uma mamotomia e em julho uma cirurgia para retirar parte do tecido comprometido que mais uma vez confirmou se tratar de um tumor maligno. Pouco tempo depois fomos a uma consulta com um oncologista conceituadíssimo em São Paulo, pois depois de um câncer surgir três vezes, praticamente no mesmo local, depois de uma mastectomia radical, de várias químios, rádios e tamoxifenos depois, estávamos achando tudo muito estranho. Tinha alguma coisa errada, pois estávamos fazendo tudo o que tinha que fazer, sempre procuramos a opinião de especialistas, fiz exames genéticos, estava sempre em busca de uma resposta para os meus cânceres. Eis que ela surgiu após a ida ao oncologista conceituado, que na mesma hora em que entrei em seu consultório não hesitou em me solicitar primeiramente, e antes de qualquer coisa, uma REVISÃO DE TODOS OS LAUDOS ANATOMOPATOLÓGICOS. A partir daí solicitei todos os blocos de parafina e lâminas (materiais biológicos dos tumores de 2009, 2014 e 2017) no laboratório daqui de Brasília que sempre levei para biópsias (detalhe - referência em análise de câncer) e enviei tudo para ser reanalisado pelo melhor laboratório em análise de tumores de mama em São Paulo, assim como o oncologista recomendou. Quando o resultado chegou veio à bomba.

A verdade é que houve um erro do laboratório, mais precisamente do patologista que assinou o meu primeiro laudo (a imuno-histoquímica da mastectomia em 2009) e afirmou que o tipo molecular do tumor retirado na cirurgia se tratava de um triplo-negativo, o qual na verdade, sabemos hoje, que se tratava era de um tumor hormônio-positivo. Esse erro fez toda a diferença na minha vida oncológica.O tratamento para um determinado tipo de câncer é avaliado a partir de um laudo anatomopatológico, que tem o diagnóstico definido pela análise de um patologista. Esse laudo contém as informações essenciais para auxiliar na decisão e no planejamento do tratamento adequado para cada caso. Portanto, é o patologista que define o diagnóstico. Chegamos a reenviar para outro excelente laboratório em São Paulo para uma contraprova, que confirmou que nunca tive um triplo-negativo, mas sim, um mesmo tumor hormônio-positivo, recidivante, recorrente e mal tratado, durante esse tempo todo. Passei oito anos achando que tive um triplo negativo. E o pior, passei oito anos com ele aqui, vivendo cada dia comigo e crescendo na minha mama, quando eu achava que seria “curada” em cinco anos.

Quais as conseqüências disso?

Primeiro ponto: como achamos se tratar de um tipo molecular triplo-negativo em 2009, os tratamentos (quimioterapia e radioterapia) na época “foram suficientes” e acreditávamos que tudo estava correndo bem, pois apesar de ser um tipo super agressivo de câncer, nós havíamos conseguido dominá-lo. Porém, como na verdade se tratava era de um luminal A (que depois se tornou luminal B um pouco mais agressivo em 2014 e 2017 - o tumor “ganhou” força nesse tempo todo), eu fiquei sem o tratamento adequado todos esses anos. No caso, a hormonioterapia (provavelmente com o tamoxifeno) deveria de ter sido acrescentada ao longo do meu tratamento, e muito provavelmente, eu teria me livrado desse maldito dentro de alguns anos usando a medicação apropriada. Quando eu comecei a usar o tamoxifeno em 2015, após o segundo CA de mama, este já não seria tão eficaz, como aconteceu. Passei dois anos usando e tive outra recidiva durante a sua vigência. Agora sabemos o por quê.

Segundo ponto: “SE” não adianta e não resolve nada, mas SE eu tivesse feito o tratamento correto ao longo desses anos, muito provavelmente eu NÃO teria passado por mais duas recidivas, e muito provavelmente eu não teria que estar agora utilizando medicações (aromasin + zoladéx + zometa) para inibir a ação dos hormônios que atuam alimentando o tumor, em outras palavras, podemos chamar de uma castração química por bloquear a função dos ovários. Muito provavelmente, cinco anos após o primeiro diagnóstico, eu poderia ter me tornado uma pessoa “curada” e muito provavelmente ainda, eu poderia ter tentado ter filhos em algum momento da minha vida. Ou seja, SIM, isso tudo influenciou inclusive na nossa vida sem filhos. E muito provavelmente eu não teria que passar por mais uma cirurgia (marcada para janeiro de 2018) da qual terei que retirar tecido muscular e pele, já que o tumor está surgindo normalmente na hipoderme e algumas células invadiram o tecido muscular dessa vez. Agora não tem para onde correr – mutilação sem reconstrução imediata. Assimila e segue.

Outro detalhe importante: se fosse mesmo um triplo negativo eu estava era ferrada (pra não usar outra palavra), pois no mínimo uma metástase já teria na conta. A verdade é que eu dei foi muita sorte do tumor não ter sido tão agressivo em 2009, e nesses anos todos sem tratamento, ele não ter mudado a tal chavezinha da sua fechadura. Sorte é a palavra certa.

Terceiro ponto: alguém pode pagar por esses erros? Sim. Eu, meu corpo, minha mente, minha vida inteira, meu marido, minha família, as pessoas que me amam. Tem preço tudo isso? NÃO. Nada paga o meu sofrimento, nada paga o que eu passei e o que ainda estou passando por conta de uma doença que abala toda sua estrutura psicológica, emocional, física, financeira, familiar, social, etc. Outro detalhe importante: foi tudo feito no particular (convênio ou dinheiro vivo, ainda tiveram exames pagos por "vaquinha" familiar), nada pelo Sus. E o laboratório que sempre enviei aqui em Brasília, é considerado "referência" em análise de câncer. NADA PAGA todo o sofrimento que EU tive por todos esses anos. NADA. É impossível mensurar os danos que tudo isso está me causando. Não estamos falando somente de cabelos e mamas não, é tudo muito mais complexo. Não há como mensurar. Nada vai mudar o que passou. Mas acredito que não hei de pagar sozinha, pois um erro desse eu considero muito grave e deve haver justiça para esses casos. Se é que há casos comprovados como esse. Muitas pessoas não correm atrás de informações e muito provavelmente muitas já morreram sem tratar exatamente o tipo de tumor que deveriam tratar por erros médicos. Alguém vai ter que minimizar esses danos, inclusive para que erros como esses não aconteçam mais e as pessoas possam ser alertadas e informadas sempre mais.


Conclusão: informação nunca é demais, sempre temos que ir atrás do que nos importa. Vale muito à pena ouvir uma segunda, terceira ou quarta opiniões. Ninguém vai fazer isso por você e tem certas atitudes que mudam uma vida.  Sempre achei que sabia tudo sobre câncer, mas descobri que não sabia era nada. Todo dia tem informação nova e temos que buscá-las. Nunca fui informada pelos meus médicos sobre fazer revisões. Segundo eles, só solicitam em casos excepcionais. Acho que meu caso já era excepcional quando eu tinha 29 anos e um “triplo negativo”. Depois das recidivas estava mais do que estranho e não solicitamos nem pensamos em nenhum momento em fazer revisões. Aliás, quem pensa em fazer revisões? Você simplesmente confia nos laudos. Quem poderia errar um tipo de câncer? Mas erros acontecem. E eu estou pagando por eles. Agora é correr atrás dos prejuízos. Na dúvida, faça revisões!